sexta-feira, 9 de março de 2012

Walber na Rádio Solar AM 1010.

http://www.radiosolaram.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14074:manifestantes-ocupam-sede-da-superintendencia-regional-de-ensino-ouca&catid=2:noticias&Itemid=3

ENQUANTO O GOVERNO SE MOSTRA IRREDUTÍVEL EM NÃO CUMPRIR A CONSTITUIÇÃO E A LEI, NÓS...

Por Walber Meirelles Ladeira*



O Governo de Minas Gerais, sob o comando de Antônio Anastasia do PSDB, se mostrou irredutível desde o início das negociações em março/abril de 2011. Muitas tentativas foram feitas para que o impasse fosse solucionado e nenhum sinal foi dado por parte do governo tucano.

Lembremo-nos da greve de 2010. Contrariado, o governador enviou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais a tentativa de destruição de nossa carreira que é o projeto de lei sobre o subsídio. Naquele momento, a ALMG já se mostrava fiel depositária dos interesses do executivo mineiro. A sua maioria esmagadora já fazia coro e aprovava a lei que destruia o já precário Plano de Carreira do magistério mineiro.

Tão grave como a subserviência do legislativo mineiro aos interesses de classe e ao executivo tucano, foi a propalada decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais de inconstitucionalidade da greve àquela época, obrigando o Sind-UTE/MG a pagar multa de R$30.000,00 (trinta mil reais) por dia não trabalhado.

Hoje o TJMG se mostra acima da Constituição Federal e autoriza a substituição de professores do 3º ano médio regular e dos 2º e 3º anos EJA médio. Os artigos 7º, 8º e 9º da CF/1988 foram desconsiderados sob a alegação da razoabilidade do interesse público.

Os desembargadores que julgaram as mais recentes decisões são ligados ao poder. Um deles é aparentado ao ex-governador Aécio Neves e o outro faz parte da família Andrada. Alguém tinha dúvida qual seria a decisão?

Mais uma vez, a classe dirigente elabora o controle dos cargos de direção. São eles que se indicam e se julgam. Para quem ainda não sabe, é o governador de Estado o responsável pela indicação para o Tribunal de Justiça, assim como é o presidente da república quem indica para o Supremo Tribunal Federal. Deputados indicam seus afilhados para cargos nos governos e a estes se submetem por tamanha relação promíscua.

É fato que o número de trabalhadores em greve chegou a um limite que não se amplia. Avalio que é sintomático o grande número de trabalhadores e trabalhadoras que solicitaram férias prêmio. Isso representa que os educadores estão cansados e muitos, inclusive arrependidos, pela escolha da profissão que não dá garantias a quem se dedicou anos a fio a uma carreira precarizada ao longo do tempo.

Demonstra o quanto de descrético dos governos à educação pública. Com um número elevado de profissionais em férias prêmio, cuja sua maioria é composta de potenciais grevistas, seriam outros os números da greve caso tais profissionais não estivessem gozando as merecidas férias. Já os atuais designados, em quase sua totalidade se mostram indiferentes ao movimento grevista.

Mais uma reflexão: o número de contratados é maior que o número de efetivos/efetivados? É evidente que muitos colegas efetivos ou efetivados também agem como se designados fossem. Na verdade, a baixa consciência de sujeitos históricos fazem deles presas fáceis de direções sedutoras, cujas práticas corriqueiras são as dos acordos espúrios.

As contradições são muitas. Em nossa categoria, muitos trabalham em outras redes, sejam elas particulares, estaduais ou municipais. Em algumas delas foram deflagradas greves e aí pasmem, prezados leitores, alguns colegas de trabalho decidiram que em uma faria greve e no Estado de Minas Gerais permaneceriam trabalhando.

Há casos de colegas que estão parados na rede municipal de Juiz de Fora e na rede estadual de MG continuam sem fazer um dia de greve! A justificativa é quase sempre a mesma: "Tenho que pagar o financiamento." O crédito veio para produzir uma nova sociabilidade!

Muitos não participam das Assembleias, dos debates sobre os rumos da educação pública, das atividades propostas pela direção do Sind-UTE Subsede Juiz de Fora ou da direção estadual. Parte não é filiada ao sindicato. Alguns, inclusive, vangloriam de suas virgindades à greve! Uma total falta de consciência política ou uma rebaixada crença nas liberdades individuais como princípio único de todas as coisas.

Oportunistas querem participar do bônus, nunca do ônus do movimento. Infelizmente, em nossa categoria, a chegada de perfis desse nível tem diminuído a consciência coletiva e a força de pressão política, dada a precária formação de alguns.

A greve se mostra fortalecida, mesmo que os números não sejam amplos, com uma vanguarda determinada para defender direitos, inclusive daqueles que se arvoram em dizer: "Graças a Deus eu nunca fiz greve e nunca vou fazer. Vocês sabiam quanto iriam receber, então por que estão em greve?" (Declaração de uma pretendende a designação de um cargo, cujo professor estava em greve na Escola Estadual Batista de Oliveira, em Juiz de Fora).

Nós já estamos vivendo a barbárie! É preciso responder a isso, antes que seja tarde demais. E assim vive o mundo precário da educação em Minas Gerais. Alguém discorda?

* Walber Meirelles Ladeira é membro da direção do Sind-UTE Subsede Juiz de Fora. Professor da Rede Estadual de MG, formado em Ciências Sociais pela UFJF. Especialista em Ciência da Religião pela UFJF e em Direitos Humanos pela PUC-Goiás.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Gerar vida e gerar morte

por Ivone Gebara*



Espanta-me a facilidade com que alguns clérigos e bispos afirmam poder distinguir com clareza as forças que geram vida e as que geram morte. Discorrem como se estivessem num campo de certezas. Nem percebem que o próprio uso dessas duas palavras, principalmente nos seus discursos acalorados sobre a importância de escolhermos a vida, conduz quase necessariamente a defender armadilhas de morte e provocar formas sutis de violência. O que é vida? O que é morte? É possível que a morte se sustente fora da vida e a vida fora da morte? Não somos nós vida e morte ao mesmo tempo? Não somos sempre aprendizes, caminhando trôpegos, dando um passo depois do outro nas escolhas diárias que tentamos fazer?

Faz algum tempo que a Igreja Católica no Brasil vem desenvolvendo uma linha equivoca de defesa da vida. Quando falam da defesa da vida reduzem o termovida à vida do feto humano e, assegurados da vida do feto, esquecem-se de todos os outros aspectos e personagens reais da complexa teia da vida. Fico me perguntando de novo porque insistem nesse erro e nesse limite lógico, condenado também de muitas maneiras pelos muitos filósofos e teólogos da Tradição Cristã. Distanciam-se até das últimas reflexões de Bento XVI que, com justeza, discorre sobre a complexidade da vida no universo, incluindo-se a vida humana.

Espanta-me constatar mais uma vez a pouca formação filosófica e teológica de parte do episcopado e de muitos clérigos que se arvoram a defender a vida, mas atiram pedras em pessoas que consideram “mal-amadas” só por defenderem um ideário diferente do seu. Por que “mal-amada” ou “mal-amado” seria uma forma de menosprezar ou diminuir as pessoas? O que de fato querem dizer com isso?

Não somos todos nós necessitados de amor? Não é o amor a missão cristã? Não é para os desprezados, esquecidos e mal-amados que o Cristianismo diz manter sua missão a exemplo de Jesus? É desconcertante perceber que usam expressões desse tipo e instrumentalizam a mensagem cristã para afirmar desacordos de posições, como o fez D. Benedito Simão, bispo de Assis e Presidente da Comissão pela vida da Regional sul I da CNBB. Em entrevista ao Grupo Estado de São Paulo, na semana passada, por ocasião da escolha da Professora e Doutora Eleonora Menicucci como ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, o referido bispo classificou a nova ministra de “mal-amada” e, com isso, desrespeitou-a e incitou ao desrespeito e à falta de diálogo em relação à responsabilidade pública de enfrentar os sérios problemas sociais.

Seria o bispo então um privilegiado “bem-amado”? A partir de que critérios?

O desrespeito às histórias e escolhas pessoais, às muitas dores e razões de muitas mulheres torna-se moeda corrente em muitas Igrejas cristãs que se armam para uma chamada “guerra santa”, sem a preocupação de aproximar-se das pessoas envolvidas em situações de desespero. Usam sua autoridade junto ao povo para gritar palavras de ordem e, em nome de seu deus, confundir as mentes e os corações.

Perdeu-se a civilidade. Perdeu-se o desejo de consagração à sabedoria e ao bom senso. Perdeu-se a escuta aos acontecimentos e à aproximação respeitosa das dores alheias. Apenas se responde a partir de PRINCÍPIOS e de pretensa autoridade. Mas o que são os princípios fora da vida cotidiana das pessoas de carne e osso? Qual é o teto dos princípios? Quem os estabelece? Onde vivem eles? Como se conjugam nas diferentes situações da vida? O convite ao pensamento se faz absolutamente necessário quando as trevas da ignorância obscurecem as mentes e os corações.

Nesse momento crítico de descrença em relação a muitos valores humanos, as atitudes policialescas de um ou mais bispos, de clérigos e pastores assim como de alguns fiéis nos apavoram. A ignorância das próprias fontes do Evangelho e a instrumentalização da fé dos mais simples nos espantam. A democracia real está em risco. A liberdade está ameaçada pelo obscurantismo religioso.

De nada servem palavras como diálogo, escuta, conversão, solidariedade, respeito à vida quando, na prática, é a violência e a defesa de idéias pré-concebidas que parecem nortear alguns comportamentos religiosos públicos. Seguem esquecendo que não se deve tomar Deus em vão. Não apenas seu nome, pois isso já o fazem. Tomar Deus em vão é tomar as criaturas em vão, selecionando-as, desrespeitando-as e julgando-as de antemão. Nós todas/os temos palhas e traves em nossos olhos e eu sou a primeira. Por isso, cada pessoa ou grupo apenas consegue ver algo da realidade, que é sempre maior do que nós.

Entretanto, se quisermos enxergar um pouco mais, somos convidadas a nos aproximar de forma desarmada dos outros. Somos desafiadas a ouvir, olhar, sentir, acolher, perguntar, conversar como se o corpo do outro ou da outra pudesse ser meu próprio corpo, como se os olhos e ouvidos dos outros pudessem completar minha visão e audição. E mais, como se as dores alheias pudessem ser de fato minhas próprias dores e suas histórias de vida, minhas mestras. Só assim poderemos ter um pouco de autoridade com dignidade. Só assim nossa belas palavras não serão ocas. E, talvez, nessa abertura a cada dia renovada, poderemos acreditar na necessidade vital de carregar os fardos uns dos outros e esperar que a fraternidade e a sororidade sejam possíveis em nossas relações.


* Ivone Gebara é doutora em Filosofia e em Ciências Religosas. Integra o Conselho Consultivo de Católicas pelo Direito de Decidir. Escrito em fevereiro de 2012.