domingo, 31 de maio de 2009

Teatro do oprimido

Artigo hermenêutica

A Hermenêutica como espelho


Walber Meirelles Ladeira*

Com base no fragmento textual de Mendonça (2008, p. 29), tentaremos abordar nossa análise de forma a buscar compreender o texto e o contexto de sua criação. É fato que, passando pelo texto aludido, vemos a hermenêutica como um espelho que reflete o leitor no objeto a ser interpretado e este no perspicaz leitor.
É correto, portanto, inferir que tanto em Ricoeur (sem ano, p. 116-117) quanto em Pelletier (2002, p. 345) e em Eco (Sem data, p. 3), o caráter de dialogicidade está presente na forma de se expor ao texto como este se mostra para seus leitores. Isso se dará entre o texto e o leitor mesmo que em tempos históricos distintos. A “máquina preguiçosa” de Humberto Eco, como também “se expor ao texto e de receber dele um eu mais vasto” de Paul Ricoeur e o risco “proporcional àquilo que o leitor consente expor de si próprio” de Anne-Marie Pelletier, estão no arcabouço teórico da dialética existente entre o texto e o seu leitor, pois ambos são dialogantes.
O próprio Gadamer afirma que há de um lado uma tradição histórica de “liberação da verdade” que não se restringe ao modelo estabelecido pelas ciências da natureza e por outro, afirma que a hermenêutica tem como meta levar adiante a realização desta tarefa, segundo o modelo que ele mesmo sugere: o “palmilhar o desenvolvimento do método hermenêutico na idade moderna, que desemboca na consciência histórica” (Gadamer, 2002, p. 273).
De fato é espelhar-se no texto enquanto superar verdades e receber dele não verdades, mas uma espessa camada de complementaridade. Daí, questões nos provocam: será simplesmente uma abordagem individual na relação leitor-texto? Poderíamos substituir quando for o caso “leitor” por “leitores” que lêem coletivamente, como é o caso da tradição da cultura semita?



Referências Bibliográficas

MENDONÇA, José Tolentino. A leitura infinita: Bíblia e interpretação. Lisboa: Assírio e Alvim, 2008, p. 29.
GADAMER H. G., Verdade e método. 4a ed., tradução Flávio P. Meurer. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 273.

* Formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Membro do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da UFJF. É professor de sociologia, membro do CEBI – Juiz de Fora e Presidente da Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz – Juiz de Fora.

Artigo

Produzir para o capital


Walber Meirelles Ladeira*

O princípio da autonomia é atribuído recorrentemente nos dias atuais, embora de forma bem diferenciada. Será que alguém em sã consciência ficará contra a autonomia dos sujeitos históricos? É evidente que não. Apesar do jogo de palavras utilizado, vemos que “há algo mais no ar além dos aviões de carreira.” Apesar dos esforços de tantos bem intencionados homens e mulheres da social democracia, como Ladislau Dowbor, há limites institucionais, políticos e ideológicos para a aprovação de tais consensos. O que faz empresas de diferentes matizes subscreverem e financiarem tal discussão? Será que a bünge ou a Vale do Rio Doce privatizada procurarão a mesma autonomia dos sujeitos históricos locais? Os financiamentos destas e de tantas outras empresas ao projeto de “sustentabilidade local” não comprometeriam a autonomização de tais sujeitos locais? E o papel do Estado, como sempre é fingir de morto e deixar rolar...
Não há como falar de sustentabilidade local sem que seja citado o papel do Estado nas políticas públicas por autonomização dos sujeitos. Não dá para conceber uma política compensatória que, ao invés de autonomizar, aprisiona, como é o caso da bolsa família. Esta deveria ser por tempo determinado, concomitante à elaboração por parte do Estado de políticas públicas de total autonomia como é o caso da educação e empregos decentes, por exemplo.
É bem verdade que para a administração de consensos têm sido utilizados espaços tripartites e daí vai outra questão. Como conciliar interesses os mais diferentes e antagônicos nessas câmaras inter-setoriais e transformá-los em unidade consentida na forma de produzir o desenvolvimento local integrado? O Estado que compra cadeiras por licitação nacional de uma empresa de outro estado distante sem que se tenha a ergonomia local como critério de avaliação para a definição da empresa escolhida, comete erro semelhante àquele que compra das empresas locais mais sujeitas ao caciquismo da política brasileira.
Como resolver tais questões de forma a garantir direitos aos sujeitos locais? Parece-me que está no papel do Estado. É o Estado quem deve garantir políticas públicas que promovam o acesso aos bens culturais, econômicos, sociais, políticos, ambientais etc. Mas, enquanto as cores do Estado estejam financiadas pela iniciativa privada e confluindo para o azul da social democracia, pouco ou nada se fará em nome da autonomização local dos sujeitos. Enquanto isso, a perfumaria será produtora para o capital da fragrância do simulacro.
* Formado em ciências sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora – MG. Professor, membro do Programa de Ciência da Religião da UFJF. Presidente da Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz – JF. Co-fundador do Fórum Permanente de Defesa dos Direitos Humanos – JF.

Resenha


A nova revolução copernicana: da racionalidade econômica à ambiental

Objetiva-se com a apresentação desta resenha ao texto de Enrique Leff em questão, uma abordagem dos conteúdos concernentes especificamente de um lado a racionalidade econômica hegemônica e, de outro, à possibilidade de constituição de uma nova racionalidade, a econômica. A racionalidade econômica mercantiliza a natureza, as condutas ecológicas e os valores culturais. É bem verdade que Leff (ano, p.262) defenderá que tal processo se dará na forma de uma dialética social, na “confrontação de duas ‘lógicas’ opostas”.
Daí levanta-se uma questão pertinente, uma vez que o modo de produção capitalista em geral e a fase capitalista atual reatualizam um plano quase que intransponível de estruturas que trabalham para a conformação ao sistema hegemônico do capital. Neste, a predominância é econômica sobre o ambiental e o ecológico. Ferramentas culturais, jurídicas, dentre outras, são utilizadas para que as estruturas permaneçam alicerçadas no econômico e a ele subordinados.
Leff (ano, p. 223) muito acertadamente dirá:

A degradação ecológica é a marca de uma crise de civilização, de uma modernidade fundada na racionalidade econômica e científica como os valores supremos do projeto civilizatório da humanidade, que tem negado a natureza como fonte de riqueza, suporte de significações sociais e raiz da co-evolução ecológico-cultural.

É pertinente observar que tanto no econômico, como no científico, há uma perspectiva de classe pouco explorada por Leff. Parece que essa racionalidade econômica não tem corpo definido na estrutura da luta de classes. Em sua análise, substitui tal método de análise pela racionalidade weberiana baseada na teoria da ação racional (Leff, ano, p. 243). Seus eixos vão desde o comportamento – racional segundo fins, a crença consciente do valor – racional segundo valores; da emoção – afetiva, aos hábitos arraigados – tradicional.
Ademais, Leff (ano, p. 243) reitera a tipologia definida por Weber acerca das racionalidades. Elas são: a teórica cujo domínio consciente da realidade é característica principal; a formal, definida pela capacidade de cálculo numérico dentro do processo produtivo; instrumental, com a aplicação de “técnicas eficientes de produção e em formas eficazes de controle da natureza”; material ou substitutiva cuja ação social é determinada por um conjunto de valores.
O novo padrão de desenvolvimento econômico está intrinsecamente ligado à incorporação da natureza enquanto parte fundamental no processo produtivo. Supera-se, portanto, que o desenvolvimento econômico se faz com a incorporação dos valores da natureza não mais como se esta fosse a matéria prima que sustenta unilateralmente o processo produtivo. Segundo Leff (ano, p.223), a degradação ecológica é:

a marca de uma crise de civilização, de uma modernidade fundada na racionalidade econômica e científica como os valores supremos do projeto civilizatório da humanidade, que tem negado a natureza como fonte de riqueza, suporte de significações sociais e raiz da co-evolução ecológico-cultural.


Novos processos de gestão concernentes às demandas econômicas sustentáveis terão que, segundo Leff (ano, p. 233), incorporar o cenário da diversidade cultural, da soberania nacional e autonomias locais. Isso quer dizer que a globalização deverá ser menos importante que a valorização dos processos socioculturais referentes às economias locais sustentáveis. Para Leff (ano, p. 233), há limites para o mercado. Sugere que dois eixos fundamentais de análise e incorporação econômica de valores se dá com a valorização do ambiente e a produção de objetos de sentidos a este vinculado.
Vale destaque o argumento de Leff (ano, p. 241): “A questão ambiental é uma problemática eminentemente social, gerada por um conjunto de processos econômicos, políticos, jurídicos, sociais e culturais.”
O fio condutor do texto de Leff se apresenta como um devir para as novas racionalidades quando das definições de políticas governamentais, bem como uma nova cultura individual e coletiva dos sujeitos definidores dos processos produtivos cujas bases econômicas se pautem por condutas ético-ambientais, sem os quais está fadada ao caos e a definitiva destruição dos bens ambientais.


Bibliografia

LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, s/d, 223-275